segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Wes encontra uma agulha no palheiro e faz Tenenbaums; P. T. se liga e faz Magnólia.

Eu, garoto criado a leite com pêra nas tardes assistindo à MTV, tenho uma vasta cultura videoclíptica, embasada por alguns anos de Disk. Como seria de se esperar, o tamanho do meu conhecimento sobre o assunto é inversamente proporcional ao refinamento do meu gosto musical. Ou seja: a maioria dos clipes que eu conheço é de músicas das quais não gosto mais, e não vi quase nada das bandas que me agradam hoje em dia.

Por isso, os primeiros clipes que me vieram à mente foram os mais manjados das listas de melhores de todos os tempos que volta e meia tinha na MTV. Não que esses videoclipes não sejam bons – é claro que são, em sua maioria –, mas todos me atingem de maneira demasiadamente racional; recebo-os de maneira analítica antes mesmo de enxergá-los por um viés mais instintivo. “Ah, esse aqui tem um tom paródico; já esse é virtuoso na maneira como é encenado”. O único clipe que desperta em mim um interesse anterior a qualquer tipo de olhar analítico – pelo menos o único que consegui lembrar – é Everybody Hurts, do R.E.M. Ainda assim, ele me parece estar muito vinculado às listas de melhores promovidas pela MTV e afins, que de certa forma acabam condicionando meu olhar. Por isso, escolher um clipe desses não me parece refletir exatamente aquilo de que eu gostaria de falar.

Assim, fui buscar no cinema as cenas de filmes que mais me interessavam, cenas em que a combinação de imagem e música tenha produzido um resultado tão eficaz quanto qualquer videoclipe. Nada mais natural, portanto, que recorrer a Wes Anderson, um de meus cineastas favoritos, conhecido, entre outras coisas, pelo esmero com que escolhe as trilhas sonoras de seus filmes – que vão desde canções indianas a versões de músicas do Bowie feitas pelo Seu Jorge. Em todos os casos, o roteiro parece ter sido escrito já com a sua trilha em mente, de tão orgânica que é a combinação. Sendo assim, uma cena de um filme de Wes Anderson me parece tão legítima como videoclipe quanto qualquer coisa feita pela própria banda, uma vez que a imagem é pensada levando-se em conta a música.

Um dos melhores exemplos desse uso é numa cena de Os Excêntricos Tenenbaums (2001) em que o personagem de Luke Wilson tenta suicídio. A fotografia azulada, a montagem rápida em diversos momentos e o aumento de intensidade da música coincidindo com o aumento de intensidade da cena – com direto a uma pequena pausa expressiva – indicam uma preocupação em fazer a imagem servir à música, ao contrário do que ocorre normalmente. E não por acaso a canção que serviu de suporte à cena foi Needle in the Hay, de Elliot Smith – música sobre o sentimento de solidão de um viciado em drogas. Numa trágica ironia, Elliot Smith viria a se suicidar menos de dois anos depois (e o irmão de Luke Wilson, Owen – co-roteirista do filme – também tentaria suicídio, em 2006).



Mesmo assim – me desculpem o alongamento, mas ele me parece necessário –, a cena d’Os Excêntricos Tenenbaums não era a ideal. Afinal, a música nem é tocada inteira.

E a resposta estava ali, o tempo todo, desde o início do período, desde as aulas sobre som e trilha sonora, nas quais, durante a discussão sobre o uso diegético e não-diegético da trilha sonora, me veio à mente uma singela cena que retratava perfeitamente essa questão. Cena que foi feita totalmente a partir de uma música, na qual imagem e som se complementam de maneira recíproca, uma extraindo o máximo de potencialidade da outra. Refiro-me a Magnólia (1999), filme de Paul Thomas Anderson. Nele, há uma emblemática cena em que todos os personagens principais do filme, mesmo localizados em diferentes espaços, cantam Wise Up, de Aimee Mann. Eles, sucessivamente, entoam um trecho da canção, a voz de cada um se fazendo ouvir junto da música original, que toca ao fundo.

Aimee Mann compôs quase todas as faixas que compõem a trilha sonora do filme. Entretanto, as músicas não foram compostas exclusivamente com esse fim: foi Paul Thomas Anderson (além de diretor, roteirista de Magnólia) que, sem saber como dar continuidade à história que escrevia, recorreu a uma canção para lhe dar a inspiração que faltava. Ouviu Wise Up, e descobriu como fazer a narrativa avançar: colocou a letra da canção na boca de seus personagens. Depois disso, ele percebeu que todo o roteiro tinha ressonâncias das músicas de Aimee Mann que ele andava ouvindo. Por isso, incluiu várias delas no decorrer do filme, depois de alguns ajustes feitos pela cantora/compositora. E Aimee, que vinha sendo rejeitada pelas gravadoras, ganhou fama e alcançou o sucesso graças ao filme.

Chegamos, então, a um dos mais representativos exemplos de integração entre imagem e música: uma colabora na construção da outra, de maneira tal que se tornam indissociáveis, são incompletas caso não andem juntas. A música só exibe toda a sua beleza melancólica na contraposição das imagens que vemos em Magnólia: se, a um instante, sentimos um sopro de esperança ao ver um velho em seu leito de morte cantar “it’s not going to stop till you wise up” (sugerindo que há possibilidade de melhora), no outro, o coração fica apertado quando um garotinho de dez anos canta o verso-espelho “it’s not going to stop, so just give up”.
E, no todo, não há como a solidão e o sofrimento individual de cada personagem ressoar no do outro de maneira tão intensa sem esse coro, esse instante de alívio na chuva, essa suspensão momentânea dos problemas para que todos compartilhem suas dores. Se a chuva cessa depois, para que eles, de fôlego renovado, retornem aos seus problemas, é apenas para que possam encontrar a redenção na parte final, a chuva de sapos, que une a todos novamente. Só a união entre a música e a imagem permite que essa redenção seja plena.



O um é o número mais solitário”, diz uma das canções do filme. Porque, de fato, não existe um sem o outro.

Gabriel Ritter Muniz da Silva
EC6

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