domingo, 16 de novembro de 2008

As cores verdadeiras do Nascer do Sol Elétrico



Cyndi Lauper - "True Colors" - 1986, dirigido por Pat Birch.

Como não amar Cyndi Lauper? Ela era uma jovem cantora pop de cabelos amarelos e rosto redondo, e afirmava que garotas só querem se divertir e hoje é uma senhora de 55 anos em turnê pelo Brasil, indo de Belo Horizonte à Curitiba. Se repetir o que fez em São Paulo, a cantora vai tocar o hino sozinha no palco com um violão.
Quer dizer, na época dela ser incomum era maneiro. Além disso, era respeitável. As pessoas admiravam o jeitão dela e pensavam "ah, tudo bem ela ser meio doidinha, a voz dela é incrível". Hoje a vastidão de possibilidades e o incrível poder da internet de fazer de tudo no mundo algo realizável, a situação é mais complicada e ser incomum é relativamente mais difícil. Digamos que ela se deu bem talvez por uma questão de posicionamento espaço-temporal. Porque Amy Winehouse também tem uma voz incrível, mas né. Provavelmente pessoas como Minha Avó sabem que ela bate no marido mas nunca ouviram seu cd. Não que Cyndi fosse (seja) santa, mas pelo menos não tinha a rede divulgando suas peripécias como se não houvesse amanhã.

O hino em questão é True Colors. Claro.

Eu acredito que uma música não é um hino impunemente. E a geração MTV não faz de uma música com um clipe medíocre um hino. Simplesmente não faz. Reparem bem no vídeo. Mas reparem mesmo. Sério, estou mandando.

A palavra sublime tem pouco poder pra descrever a sensação que começa a percorrer o corpo de uma pessoa nesse momento. Começa com uma Adoração ao Holofote e posterior bater forte de tambor de Cyndi logo no comecinho. Esse perfil, essa meia luz. Essa sensacional escultura capilar e a florzinha. Meu Deus, a florzinha. A florzinha que faz o link da tamborilante Cyndi com a menininha, que pode deixar o espectador meio perdido dada a fidelidade cromática de seu exuberante adereço drag de cabeça com o penteado da popstar. Mas a menininha, num mundo de areia que poderia fácil ser Tatooine, está mais entretida em assistir a uma adaptação interracial, onde a harmonia se mescla com um clima de magia e sedução, de uma cerimônia do chá. Em uma canoa. Na areia. E isso tudo no primeiro minuto e meio.

Percebem o que eu estava falando?

A incrível sequência de cenas e situações nonsense e incrivelmente coerentes continua, passando pela indumentária de sereia com lustre na cabeça (1:43) e seu telefone de concha (perceba: "you call me up because you know I'll be there" cantado por uma sereia enquanto empunha uma concha. Claro que é um telefone. Sensacional, não é?), seguida pela câmera entrando na concha loucamente a procura de Cyndi, que repousa. Reparem que vocês não podem ser capciosos nesse momento: a concha é o telefone da sereia, mas é a casa de Cyndi. O que possibilitaria Cyndi morar dentro da orelha da sereia tranquilamente. Mas não está explícito se a sereia tem orelhas porque o LUSTRE cobre o que seriam suas cavidades auriculares. RÁ. E aí a Cyndi morar numa concha explica por que as senhoras do chá a viram dentro da água imaginária. Dado o fato de existir todo um motivo implícito chocante em morar numa concha, e as conchas realmente estarem na água e tal.

Mas ela não está sozinha na concha, oh não. Além do assistente que está puxando o fio do que poderia ser facilmente o maior lençol do cosmos, temos também o par romântico da cantora, no clipe. Concha enorme, pelo visto, porque ele está no alto, puxando o pano interminável, enquanto Cyndi faz a Rapunzel, só que guardadas as devidas adaptações. Gente, o que é esse cara? Ele é loiro, praticamente um Fabio, só que magrinho e que emerge da água purpurinado. Que água é essa, é o que eu pergunto. Dizem aí que Cyndi tava pegando e tudo, e depois casou com o dito cujo. Não tenho certeza que é ele, mas se for eu acredito ter sido a purpurina. Elas não resistem.

E aí rola o beijo mais saturado de ciano e magenta da VIDA e a gente tem realmente medo do que possam ser as cores verdadeiras. Porque pensa, se essas cores forem a razão do afeto de Cyndi ("I see your true colors and that's why I love you"), eu não posso pensar em nada que essa mulher não amaria. E isso é perigoso. Isso leva uma pessoa a aceitar que uma saia feita de tiras de jornais e/ou revistas e andar de sapato alto na areia sejam idéias BACANAS. Além de adentrar, não ligando a mínima, uma autêncica e tradicional aula a céu aberto, com direito a professor e chapeuzinhos. Mas pelo menos o estado de descontrole emocional de nossa amiga parece estar a seu favor.

Só que a essa altura do campeonato a pessoa já resolve apelar. Não sabendo que sim, querida nós te entendemos e conseguimos ver além dos supostos clichês oitentistas do seu vídeo, ela não acredita. Então taca uma fórmula infalível no vídeo: Cyndi faz carinha de quem tá gostando demais, topless, em um lago de espelho. Assim, realmente, toda se querendo. Não que a platéia vá ao delírio porque comparado aos nossos padrões atuais, Cyndi não era exatamente a mais lasciva entre as mulheres mas é um fechamento interessante.

E depois da longa jornada ela retorna à Adoração ao Holofote e ao batuque. E bem mais convicta. Assim, realmente mostrando a que veio, sabe? E com um decote que quase não sustenta a empolgação das batucadas. Porque apesar de ser assim tão unusual ela sabe do que a vida é feita. É feita de metáforas, meus amigos. Metáforas e voltas ao lar. Mesmo que seu lar seja uma concha e a única chance de sair dali é sendo içada por um pano.

Se bem que Rapunzelices à parte ela se deu bem: queria ver como ia ficar a escultura capilar se não tivesse esse paninho na história. E talvez até não tivesse. Talvez a produção tenha introduzido toda a questão do paninho como forma de não descabelar a cantora. Porque obviamente a escultura em questão foi criada com tanto esmero, cuidado e precisão que seria praticamente um crime se um modelete da vida tivesse o direito de desarrumar um fio que fosse.

O pano existe, portanto, porque existe justiça no mundo.

Eloísa Greco - EC6
107386123


Um comentário:

Marília Lamas disse...

"E aí a Cyndi morar numa concha explica porque as senhoras do chá a viram dentro da água imaginária. Dado o fato de existir toda um motivo implícito chocante em morar numa concha, e as conchas realmente estarem na água e tal".

Eu quero o que você fumou pra fazer essa reação.

A verificação de palavras solicita, oportunamente, que eu digite "inaras". E eu penso: Inara, Inara, Inara, Inara-í...