sábado, 15 de novembro de 2008

Ela disse adeus - Paralamas do Sucesso



Além do encantamento decorrente da estética e da direção de Andrew Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzollini neste videoclipe, há uma interessante questão, relativa ao modo como as imagens podem conferir diferentes interpretações a uma canção. Apesar de não haver subversão do sentido - visto que a narrativa reafirma a temática amorosa - observa-se que as imagens proporcionam uma interpretação pouco convencional à canção de amor, e o que possibilita isso é a opção pela linguagem cinematográfica na concepção do videoclipe, mais especificamente a linguagem do cinema mudo do início do século XX.

A reprodução do estilo de cinema mudo fica evidente logo no inicio, quando aparecem os três integrantes da banda (Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone) com seus instrumentos musicais, dentro de círculos brancos em fundo preto, sugerindo projeções em tela, além de um ruído do projetor, que costumava acompanhar as imagens exibidas nas salas de cinema da época. A questão técnica aparece também quando, em alguns momentos do clipe, as seqüências de imagens sugerem uma quantidade baixa de fotogramas por segundo. Nesse sentido, é interessante observar a preocupação com a reprodução artificial dos detalhes técnicos de um cinema no início do seu desenvolvimento, conferindo uma maior fidelidade e perfeição ao estilo a que se quer fazer referência.


A estética do cinema mudo, por sinal, aparece de modo impecável, fazendo com que o videoclipe se configure como um curta-metragem. As interpretações exageradas dos atores assinalam a riqueza e importância dos gestos para um cinema desprovido de diálogos. Os intertítulos, tão característicos deste cinema, aparecem ao longo do clipe; com tela preta e letra branca, uma reprodução fiel é realizada, no que diz respeito ao conteúdo gráfico. Desse modo, versos da canção aparecem em momentos marcantes da narrativa, direcionando-a. Pode-se citar, ainda, muitos outros elementos que contribuem para a estética pretendida, como as imagens envelhecidas em preto e branco, a iluminação, a cenografia, os figurinos e a maquiagem e as técnicas de filmagem de um modo geral.


No enredo são desenvolvidas paralelamente as histórias de três casais: uma mesma dona-de-casa, representada pela atriz Fernanda Torres, vivencia três histórias de amor, com três maridos diferentes, representados pelos integrantes da banda. Aqui é importante destacar que a referência aos integrantes da banda como músicos acontece apenas no início do videoclipe, visto que em nenhum momento aparecem imagens (geralmente intercaladas com a narrativa, em uma linguagem mais convencional dos videoclipes) da banda tocando a canção “Ela Disse Adeus”.


A esposa é maltratada e trabalha como empregada de seus maridos, fazendo o serviço da casa, servindo comida e paparicando eles, que são machistas e colocam-na em um lugar de mulher submissa. Esse é, portanto, o papel por ela desempenhado no início da narrativa, até o momento em que se cansa e resolve subverter seu próprio papel, redirecionando a narrativa e conferindo um sentido original para a questão do abandono sugerida na canção. Dialogando com a letra, pode-se dizer que o momento em que se cansa aparece como o motivo que a levou a “dizer adeus”. Observa-se que a letra da música orienta o caminhar da narrativa, o que fica evidente devido aos intertítulos. Neles, versos como “Sem nenhum sinal de amor” e “Ela não precisa mais de você” direcionam os acontecimentos até o momento em que estes culminam na mudança do perfil da mulher.


No momento em que ela arruma a mala e parece deixar os maridos, o intertítulo “Ela disse adeus” aparece fazendo referência ao seu cansaço, à partida e ao abandono. Logo em seguida ela aparece desesperada e chorando, até que decide subverter o seu papel de submissa, tornando-se “maquiavélica”. Nesse segundo momento da narrativa, nota-se a modificação no figurino e a inclusão de elementos como o cigarro e as jóias, que dão a ela um perfil mais elegante e independente, fora da caracterização de dona-de-casa. Ela então se vinga dos maridos, afogando o primeiro na banheira, envenenando o segundo e enforcando o terceiro com um guardanapo. No momento em que se livra dos corpos, rindo, aparece novamente o intertítulo “Ela disse adeus”, porém agora com um novo sentido, fazendo referência ao “adeus” que deu aos maridos, matando-os e decidindo ficar viúva. Ela então aparece feliz e sozinha, e o videoclipe termina com o intertítulo “Fim”, comum aos filmes do cinema mudo.


Fugindo do tipo de drama hoje em dia mais convencional, sugerido pelas canções (como nas canções “emo”, por exemplo), a narrativa dialoga com o ritmo rápido da canção, que desvia um pouco da tristeza sugerida pela letra. Desse modo, o enredo triste se desenrola de modo mais dinâmico. É evidente a reprodução da temática cinematográfica dos conteúdos audiovisuais datados da época do cinema mudo; no entanto, alguns fatores contribuem para trazer o material fílmico deste videoclipe para a lógica contemporânea, como as “reviravoltas” que aparecem na narrativa – por exemplo, os assassinatos e a subversão do papel da mulher - onde o melodrama assume lugar de destaque. Outro exemplo de como a narrativa apresenta traços contemporâneos é o momento em que os maridos são abandonados e aparecem os três na mesma cena, chorando abraçados e lamentando a falta da mulher. Nesse momento, as três histórias – antes desenvolvidas paralelamente - se cruzam espacialmente, evidenciando que ocorrem ao mesmo tempo, e sugerindo algo como uma poligamia, que nunca ocorreria nos filmes do início do século XX.

Daniele Assad Belmiro
DRE: 107329430
EC5

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